Amizade rompida - O dia da queda de Anärion.

Sentado em uma grande pedra que dava vista para o mar estava Ecthelion ele conversava alegremente com um orc que estava em pé ao seu lado. Ambos falavam sobre aventuras passadas e pareciam se divertir. Subitamente o orc mudou o tom da conversa.

– É uma ilha fascinante. – O orc começou a dizer. – Mas não foi por isso que eu vim.  A notícia que trago ameaça a beleza deste lugar.

O semblante do orc ficou sério. Ghontar havia crescido nas ilhas da guerra. Mas saíra de lá antes mesmo de participar de uma das batalhas que não raramente ocorrem naquele lugar. Talvez por isso não nutrisse sentimentos ruins contra elfos, humanos ou anões, que invadiram as ilhas que antes eram de domínio exclusivo dos orcs e para lá levaram a guerra e destruição para o povo orc.

– O que vem nos informar amigo? – Perguntou Ecthelion.

– Os descendentes dos orcs, que há muito habitaram esta bela ilha, antes mesmo do primeiro elfo a reivindicar pela força, preparam um ataque. – Respondeu Ghontar.

– E quem os comanda?

– Três elfos do seu povo. Pelo que ouvi foram expulsos daqui por terem navegado até a Ilha Proibida.

Ecthelion perdeu o sorriso em sua face. Neste momento um terceiro elfo surgiu. Ele estava ricamente trajado e levava em sua cabeça uma bela coroa feita de prata e com esmeraldas no formato de folhas como ornamentos. Era o rei dos elfos de Anärion e sorria para o orc. Quando o orc lhe alertou o que acabara de contar a Ecthelion o rei ficou sério.

– Não posso acreditar no que ouço, mandei aqueles elfos para a morte. Como podem agora retornar com um exército para me confrontar em meu reino.

– Pois de algum modo sobreviveram. – Disse Ghontar. –E chegaram até a Ilha Proibida onde encontraram os filhos dos orcs expulsos de Anärion.

– Mas isto foi a séculos.

– Eu sei senhor, mas antigos ódios não são facilmente esquecidos. Os orcs querem o que lhes pertenceu. E são muitos.

– Compreendo. Agradeço sua mensagem Ghontar.

– Se me permite um conselho senhor, – disse o orc – não ofereça resistência. Ouça o conselho do Mago Verde e abandone essas terras, os homens do sul os acolherão até que possam rumar ao norte e retornar ao seu povo. São muitos os que virão para lutar, eu pude ver com meus próprios olhos.

– És um bom amigo Ghontar, mas jamais abandonarei meu lar. Sei que os inimigos são do seu povo, mas qualquer um que se erga contra o reino de Anärion sentirá a fúria de nossas espadas.

– Senhor eu tentei de tudo para que essa guerra não ocorresse, mas os orcs querem o que lhes foi tomado. O que estou fazendo é alertar, sabes que estarei do outro lado da batalha e não quero cruzar espadas com amigos.

Os olhos do rei ficaram em fúria.

– Já trouxe sua notícia, não haverá rendição. Lutaremos e se não pode controlar os ímpetos de seus semelhantes você deve partir. Não serei eu um elfo tão baixo a ponto de ferir um amigo, mas no momento em que sair de Anärion será considerado inimigo.

Ghontar abaixou os olhos, estava triste. Fez uma reverência ao rei dos elfos e partiu. Ecthelion o seguiu até seu navio.

– Eu não direi a você que tentarei mudar os pensamentos de meu rei. Como comandado devo ficar e lutar pela glória de Anärion.

– Não há glória na morte Ecthelion. Eu jamais quis estar em lado distinto do seu numa batalha, mas sabíamos que este momento chegaria. Espero que Finihenn, o Mago Verde, possa convencer o senhor dos elfos. Se isso não ocorrer prefiro não lhe encontrar no campo de batalha. Adeus meu bom amigo.

Elfo e orc deram um longo abraço. E então se separaram. Um navegava de volta a Ilha Proibida o outro ficava em terra esperando o dia em que seu antigo companheiro voltaria, mas dessa vez junto a um exército de inimigos.

Ghontar retornou a Ilha Proibida e quando lá chegou os orcs já se preparavam para o ataque, um gigantesco exército de orcs embarcava em muitos navios que estavam atracados ali perto. O orc parecia triste, ele estava no comando de um destacamento de dois mil orcs, seus capitães se aproximaram e lhe perguntaram se deviam partir, Ghontar pediu que aguardassem todos embarcarem, eles fariam a retaguarda da frota naval. Os orcs finalmente partiram com inúmeros navios repletos de guerreiros na direção da ilha de Anärion. Por toda viagem Ghontar parecia não se esforçar para chegar, mas era inevitável e mesmo com atraso ele finalmente avistou o destino.

Era noite e podia-se ver fogo no horizonte vindo da ilha. Vários navios se aproximavam cada vez mais das ilhas, corpos começavam a bater nos cascos do navio onde Ghontar estava e ele assistia aquela cena com tristeza. Quando o barco de Ghontar se aproximou ele viu os portos de Anärion em chamas. Toda a beleza da ilha agora estava reduzida a cinzas. Ao desembarcar percebeu que a ilha já havia sido tomada, um de seus capitães veio ter com ele.

– Senhor por que não desembarcamos antes, a batalha acabou. – Disse o capitão.

"Essa não era minha batalha". Pensou Ghontar, mas guardou isso pra si. Somente fez um gesto e deixou o capitão falando sozinho. Foi então que o viu Ecthelion. O elfo estava numa embarcação pequena, junto dele havia outros elfos, elfas, crianças e velhos, tentavam fugir da ilha. Seu capitão vira a mesma coisa e já começava a dar ordens de ataque quando Ghontar o mandou silenciar.

– Deixe-os partir. – Disse Ghontar.

– Mas senhor...

– Quieto, não haverá sangue em minhas mãos. A ilha já foi tomada, temos nosso prêmio. Obedeça minha ordem. Agora vá, tenho algo a fazer.

O capitão ficou contrariado, porém não ousou desafiar seu comandante. Ghontar caminhava no meio da destruição, havia corpos de elfos jovens, imaturos ainda para o combate, elfas que morreram na tentativa de fugir com seus filhos, muitos guerreiros elfos e também orcs. Aquela cena lhe causava repulsa, lembrou-se das ilhas da guerra e de tudo que lá sofrera. Mas não viera até a ilha para isso, sua missão estava além. Pegou um cavalo que estava perdido no meio da batalha e cavalgou floresta adentro, rumava para o centro da ilha.

Foram algumas horas até que o cavalo exausto o deixou nos pés da grande árvore que servia de palácio ao rei dos elfos. Ghontar contemplou com olhos tristes aquela magnífica obra natural e élfica. Começou então a subir os degraus habilmente talhados na copa da árvore, subia devagar. Muitos orcs estavam saqueando o palácio e não adiantaria detê-los, era o prêmio pelos anos de exílio. Mesmo assim isso deixava Ghontar irritado, tantas vezes viera ao grande palácio como convidado e o ver assim deixava-o inquieto. Subiu em silêncio, no caminho pensava em Ecthelion e no último olhar que trocaram. Podia sentir o ódio no olhar que seu antigo amigo elfo lhe deu. Lágrimas vieram em seus olhos, conseguiu as conter.

Chegou então à plataforma real, mais orcs saqueavam o local, ele passou por todos sem dizer uma palavra. Já podia ver seu objetivo. Estava ali bem a sua frente, as vestes estavam rasgadas, seu corpo estava espetado por inúmeras flechas. Havia um profundo corte em seu peito. Ghontar agachou-se, arrancou as setas e ergueu em seus braços o corpo do último rei de Anärion. Fazia agora o caminho de volta quando notou que um dos saqueadores usava a coroa do rei. Ghontar parou e ordenou ao orc que a devolvesse, viu também pendurada na bainha do orc a espada do rei dos elfos. Quando o orc ouviu a ordem de devolver a coroa começou a rir e disse:

– Estás apaixonado pelo elfo? Por acaso irás foder com o cadáv...

Nunca chegou a terminar de dizer as palavras. As mãos grossas de Ghontar envolviam sua garganta e apertavam com tal violência que sangue escorria por seus dedos. Quando finalmente o orc parou de se contorcer, Ghontar o jogou de lado. Tomou-lhe a coroa e a espada, novamente ergueu o corpo do rei e partiu. Os outros saqueadores o olhavam, mas nenhum ousou dizer algo.

Quando deixou a árvore, o orc procurou outro cavalo, cavalgou levando consigo o corpo do rei. Quando finalmente parou o sol já se encontrava no centro do céu. Parou em uma colina muito verde, ali não havia sinais de batalha. Cavou por hora, quando terminou suas mãos estavam feridas, o sangue se misturou ao barro e formou uma crosta. Despiu o corpo do rei e o banhou num riacho ali perto, vestiu-lhe a armadura novamente, ou o que sobrou dela. Não era a forma mais digna para o fim de um rei, mas era melhor do que ficar exposto aos abutres e saqueadores. Recolocou a bela coroa em sua cabeça e o deitou no buraco que acabara de cavar. Finalmente as lágrimas não puderam mais ser contidas. Cobriu o corpo com terra. Somente quando terminou é que percebeu que se esquecera da espada.

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